9.30.2009

Grande Pássaro Negro

Sim, há várias coisas sobre nós mesmos e sobre nossos semelhantes que não sabemos que há e nem imaginamos que exista até que de fato elas ocorram. Lidar com nossas fraquezas e vícios é sempre difícil e geralmente doloroso, senão para nós mesmos, para alguém além de nós. Estamos sempre em busca da coisa certa a ser feita, esperamos que o resto do mundo concorde conosco no que é esse "certo". Nos agarramos a identidades que nos fazem sentir seguros de quem somos, sendo nós ou não. E, mais que isso, nos agarramos a outrem, seja para uma crença no bem que nos faz ou no bem que fazemos. No filme À Flor da Pele, vemos uma rede de encontros e "agarramentos" e um certo relacionamento é mais enfocado que todos os outros: um triângulo amoroso. Esse triângulo traz várias repercussões dentro da nossa hipócrita sociedade. Hipocrisias à parte, esse triângulo (re) sucitou questões e movimentou reflexões no sentido das ilusões humanas, entre elas as ilusões de poder, das quais destaco a ilusão de posse. quando nos agarramos a alguém a quem acreditamos fazer bem e que nos provoca esse bem de volta, parece que não estamos tanto lidando com esse outro alguém quanto com o bem que fazemos e que nos é feito. Ou seja, no final das contas é sempre sobre nós. Mas, nesse ponto não precisamos nos sentir culpados por estarmos usando ou enganado alguém, pois, a recíproca é verdadeira. O que amamos no outro é o poço que preenchemos com grandes doses de nós mesmos. Essa relação não apresenta problemas desde que seja mantido um certo equilíbrio. Porém, a partir do momento que esse equilíbrio é desequilibrado, ocorre uma cisão. Vemos então a coisa amada se transformar em um completo estranho, como pude ser enganado todo esse tempo, como pôde fingir ser um ser tão perfeito, mesmo em seus defeitos, quando agora vejo que não passa de medíocre? como ousou esconder isso de mim todo esse tempo e me enredar na mais elaborada ilusão? O equilíbrio foi quebrado, o que eu possuía era na verdade meu possuidor, me enganei esse tempo inteiro pelo simples fato de que não olhava para o outro que estava em minha frente e sim criava um outro a partir desse que se me apresentava. E a partir do momento em que ele se afasta levando consigo um poço repleto de mim, tenho que encarar nele as minhas derrotas. A maior delas? Não possuir meu objeto de desejo!

***

SONETO DE SEPARAÇÃO

(Vinícius de Morais)

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

3 comentários:

Kleber disse...

Uma escrita psicopunk! Amar no outro o depósito de nós mesmos intensifica em nós uma condição de carência. Eis o que ajudamos a fazer desse mundo. A escrita de nós mesmos, infelizmente, no presente tem DNA. Abraço!

J. Thiago disse...

Pássaro negro, corvo, ravena! Não aceita engaiolar mas, na claridade do alto, ele é o único que se nos revela. Voando...

Felipe Messias disse...

Hmm Ainda tenho que conversar com Elen pra que ela me explique melhor isso (acho que to precisando)... O Texto tá sensacional (um tanto psicanalítico, mas ninguém é perfeito), achei muito massa a questão da cisão como fruto do desequilíbrio, mas não acho que ele seja tão "regra"... vejo alguns relacionamentos que o desequilíbrio é a base de tudo, e quando se equilibra tudo acaba!