9.15.2009

Sobre os botões

Vou tentar continuar a discussão da aula passada levando-a para uma outra esfera que, por sua vez, e a meu ver, se apresenta recheada de botões. O recheio é tanto que tecitura roupagens, customiza confecções. São poucas as confecções que lutam por se tornar personalizada, e a grande massa se encontra padronizada. Fabricam-se uniformes... A esfera a qual me refiro é a educação e seu dispositivo-mestre, por assim dizer, a escola.
O esforço vai ser o de falar sobre o que acarretou o aperto de alguns dos botões que se apresentam por trás da educação como ela é entendida hoje, haja vista que esse nosso modelo de entendimento data do Estado Moderno (séc. XVIII). Mas o que se entende por educação hoje? Ora, o cidadão moderno vem sendo educado e atravessado pela perspectiva de uma educação cuja política é a de preocupação em formatar, fabricar e padronizar modos de vida; tornar homogêneos os gostos e preferências individuais. Muitos botões precisaram de uns cliques no decorrer desse processo. A educação moderna tem um aparato muito forte ligado à idéia de socializar o indivíduo. Ou melhor, a educação se tornou uma das formas de socialização. É importante lembrar que na antiguidade, em Roma, por exemplo, não havia o ideal de educação para todos. Não! Muito pelo contrário. Não havia a preocupação com a ingerência dos modos de vida. Por que falei anteriormente que a educação tem a escola como dispositivo? Foi construída a noção de que a escola tem a capacidade, ou deve ter, de conseguir dar conta de todos os modos possíveis de se educar o sujeito. A educação na vizinhança ou dentro de casa não vale ou não se faz suficiente para aquilo que se espera de um cidadão. Então deve ter algo de especial na educação vomitada na agência institucionalizadora escola. Tem mesmo! Na escola impõem normas de como ser cidadão, impõem o hábito obedecer, respeitar limites fazendo uso de mecanismos disciplinares. Disciplina no sentido foucaultiano do termo, enquanto controladora e organizadora dos corpos. Obedecer, obedecer e obedecer... E o pior é que essa obediência é anterior à formação de qualquer juízo. Quanto mais se puder obedecer sem refletir, sem tirar partido daquilo que se passa, sem nenhum resquício de reflexão sobre, melhor. Melhor para a manutenção do sistema há muito implantado. Kant, pra usar um cara respeitado, já dizia que as crianças são mandadas à escola não para aprenderem alguma coisa, mas sim para que se habituem a ficar sentadas, quietas e a observar pontualmente as ordens que lhes são transmitidas: a escola produz um pensamento dócil! Quando li isso, lembrei dos meus choros e berros ao ser deixado pelo meu pai (ah! por favor, não me venham com traumas de edipozinho, e muito menos dizendo que estou recalcando) às portas do maternal: abriam-se as portas do inferno e eu dava de cara com o monstro (a professorinha, cujo nome resguardo), com suas enormes mãos puxando-me pelos braços! Imaginem a cena... Era horrível! Não entendia nada disso, é claro, mas sabia que não gostava nem um pouco.
Mas voltemos. Quem nunca ouviu a historinha: vá pra escola meu filho pra você ser alguém. Que alguém é esse? Ela já tem forma? Sim! É padronizado! Refiro-me a tipos de educação voltados para finalidades, e o trabalho é uma delas. Aliás, é a principal delas. A idéia é esta: vai pra escola, obedece, aprende, reproduz, faz as provas, tira nota, imprime o curriculum vitae, leva este ao futuro patrão, toma um carimbaço, obedece, ganha dinheiro (ninguém é de ferro nessa joça), aprende, reproduz, reproduz, reproduz... Tudo isso à mercê de botões. Educar para o trabalho. Se o indivíduo não se debruçar sobre a educação ou sobre o trabalho, o outro lugar provável dele ir parar é a prisão, vista como o local dos engodos sociais. Ou seja, se o indivíduo não for “capaz”, e o discurso é mesmo de capacidade ou não do indivíduo, de se enquadrar aos moldes do sistema educacional ou trabalhista, acaba expurgado, arremessado violentamente para fora dos parâmetros traçados categoricamente pelos botões.

2 comentários:

J. Thiago disse...

Engraçado você citar Roma! Educação, no latim vulgar do romano, é ´educere´, "pôr pra fora"! O educar não era atividade formal, na ´Res Pública´, visto ser substancial. Era libertação, não repetição...

Marcel Maia disse...

Legal o comentário Thiago...se vc se interessar, tem uma discussão dessa rolando numa disciplina com Manoel. Abraço.