10.01.2009

À flor da pele [Douches froides]

“Quando eu tinha quatro anos, chorei porque o meu professor disse que eu era um menino mau. Meus pais me confortaram. Disseram-me que na vida as coisas não são sempre claras. Elas não são pretas ou brancas. E as pessoas não são boas ou más. As pessoas mudam. Então eu chorei ainda mais. A idéia de mudar me aterrorizou”.

O filme nos dá uma demonstração da vida de pessoas ordinárias: Michael é um adolescente de classe média baixa da França, que pratica judô e que está terminando o ensino médio. Vanessa, sua namorada e colega de classe, trabalha como baby-sitter nas horas vagas. Clément, garoto rico, é filho do patrocinador da equipe da qual Michael faz parte.

Os recém-amigos, Michael e Clément, passam a treinar juntos e é possível observarmos o interesse que o garoto rico desperta em Vanessa – no instante em que ela pergunta ao namorado sobre o rapaz, ao pedir que ele se junte a Michael durante as fotos, no debruçar sobre a janela, pensativa, enquanto o namorado dorme no banco do carro, enfim...

Tentando não polarizar a discussão em termos de certo e errado, bom e mau, proponho que se deixe de lado o triângulo amoroso [que a meu ver serve de pano de fundo e não como tema central do filme, ao contrário do que apontam as sinopses], para que possamos observar de forma mais geral, outros aspectos da vida do protagonista.

A partir do título “Douches froides”, traduzido como “duchas frias”, eu me pus a pensar a razão da escolha desse nome [e convenhamos, as ‘versões’ brasileiras deixam muito a desejar]. Teria o título uma relação literal com o fato de a família estar envolvida em um esquema de racionamento de gastos, imposto pela mãe do adolescente, acarretando assim as duchas frias? Uma metáfora, para ilustrar o demasiado interesse da sua namorada nesse terceiro, envolvido em seu relacionamento? Ou a impossibilidade de cursar uma faculdade particular, em decorrência do recente desemprego do pai? Caberia imaginar que a ducha fria teria encontrado maior significância após sua expulsão da equipe de judô? Ou mesmo no fora recebido da ex, após algum tempo de separação? Não saberia responder.

A cena em que Michael permite que sua namorada vá com Clément ao motel [programa este do qual os três fariam parte] é, para mim, uma das mais interessantes do filme. Ele se mostra ‘conformado’ não apenas com o interesse de Vanessa, que não hesita em estar sozinha com o outro garoto, mas com o fato de ter sido excluído por dispor de uma quantia bastante inferior à de que dispunha o outro garoto. E aí seria possível questionarmos o amor da garota pelo namorado, o interesse que ela nutria pelo outro rapaz, a docilidade com que Michael aceitou tal situação, além da cerimônia implicada no aceite (nesse caso, não-aceite) de um cartão emprestado pra que ele pudesse estar com os dois no quarto.

Vemos ao final do filme um cenário diverso daquele encontrado anteriormente: Michael está sozinho, de férias [e ao que indicam os cálculos da professora de literatura francesa, não conseguiu ser aprovado – resta a dúvida de que ele tenha sido reprovado na disciplina ou na tentativa de ingressar na universidade], está afastado da equipe e seus pais, que viviam em pé de guerra, saem em uma viagem romântica por uma semana.

“Imagino que sou como todos. As pessoas não são boas nem más. Mudam, e isso é tudo. Ou melhor, transformam-se. E o que importa é saber em que é que se transformam”.

6 comentários:

Kleber disse...

Não lembro de Nelma no dia de 'A flor da pele ou Banho de água fria. Mas vem Nelma e diz do filme. Atualiza a presença. Estávamos assim todos lá. Gostei das questões do dito. A coisa da tradução, sempre polêmica. O título 'A FLOR DA PELE me parece mais poético, apesar de vender uma idéia de arroubo juvenil. Fora disso, penso que nossas questões estão mesmo 'a flor da pele ou como diria Deleuze; "o mais profundo é a pele". Abraço!

Nelma disse...

Na verdade, eu não estava na aula. Precisei faltar essas duas últimas semanas, mas estou assistindo os filmes e acompanhando as discussões por aqui...

Sobre o título... Acho mesmo que ele vende uma imagem daquilo que o filme não representa [ao menos, não por inteiro]. A meu ver, "à flor da pele" significaria toda uma condição de arroubos, assim como você colocou, que não condiz com a postura, muitas vezes passiva, do protagonista. Nesse sentido, acho que mesmo o garoto rico detinha, e não apenas no triângulo amoroso, uma condição de 'se deixar levar'... Entrou no time como ‘filho do patrocinador’, passou de substituto a titular por conta de um acidente com um dos garotos – e a posterior vacância da posição na categoria em que era suplente –, posou pras fotos por ter sido chamado, envolveu-se sexualmente com a garota [tanto no tatame quanto no motel] por contigüidade... em outras palavras, creio que ele tenha sido guiado, na maior parte do tempo. Acredito que a única personagem a ter seus sentimentos (ou ímpetos, mesmo) à flor da pele, tenha sido Vanessa, pois ela ousa, a todo momento. Quando deseja, provoca, envolve e realiza...

J. Thiago disse...

[i] “Imagino que sou como todos. As pessoas não são boas nem más. Mudam, e isso é tudo. Ou melhor, transformam-se. E o que importa é saber em que é que se transformam”. [/i]

Vanessa se transforma! E não parece se importar muito no que se transformou. Só transforma. Trans-forma!

Nelma disse...

É... ao menos ELA faz algum movimento, nesse sentido.

Felipe Messias disse...

Eu tenho é medo de "Vanessas"! Parece que surgem para acrescentar caos aos relacionamentos, inovação e transformação. Apesar de inevitáveis e necessárias, mudanças tem que ter um certo cuidado com futuras consequências... mas acho que as Vanessas não pensam nisso, senão jamais seriam inovadoras e instituintes

Anônimo disse...

Muito bem redigido o texto. Confesso que o título realmente vende uma imagem errada do filme, bem como a capa da versão brasileira, que não é a mesma da original.
O filme levanta muitas questões interessantes para debate e, realmente, o tal triângulo (a meu juízo, nada amoroso) é apenas um dentre tantos pontos abordados neste que para mim foi um dos melhores filmes a que assisti.