8.24.2009

O que a criança diz:

Um desafio. Quando fiz questão de participar de uma disciplina voltada (e concentrada) em assuntos para uma turma de Psicologia, sabia que em algum momento eu teria de lidar com termos, conceitos e idéias, com os quais um aluno graduando em Comunicação não está acostumado. Talvez isso explique - em parte - o meu (ainda) receio de opinar nas discussões em sala, ainda mais quando termos 'estranhos' a mim estão em jogo. Como neste caso que me faz escrever agora, um texto do autor Gilles Deleuze. A outra parte é pura timidez, ainda não totalmente curada em 4 anos de curso.

Um desafio bem interessante. Desde que tomei conhecimento da proposta e da metodologia que seriam utilizadas pelo professor, me interessei e busquei participar da melhor forma possível. Até por ter uma formação acadêmica diversa, tive a impressão de que seria ainda mais enriquecedora - para mim e espero que para todos- a experiência de troca de informações e opiniões de duas áreas que combinam tanto. Embora alguns estudiosos por vezes esqueçam esta afinidade. Melhor ainda quando a linguagem do cinema faz a ponte entre os temas.

Uma salvaguarda. Tudo que escrevi até este ponto, coisas que fogem da minha motivação original de estar postando neste espaço, não foi por enrolação (juro). Foi apenas uma tentativa de deixar mais clara a minha posição inicial de leigo em termos mais específicos da Psicologia. Não farei juízos de valor nem críticas pouco abalizadas a algum tema - o que seria de uma inépcia bastante desnecessária da minha parte. Irei apenas deter-me a um dos aspectos mais interessantes do que pude absorver sobre algumas idéias de Deleuze.

O tema. No texto do professor Kléber Matos, baseado em "o que as crianças dizem" e pela discussão em sala, o conceito do Devir-criança, como "'Uma' criança que coexiste conosco e está numa zona de vizinhança ou num devir" foi o que mais me atraiu. Principalmente pela afirmada tendência inventiva presente enquanto virtualidade na criança e no adulto. Pude compreender a força das 'brincadeiras infantis'. Da brincadeira que não dá respostas prontas, da criança que não sabe ler mas continua a inventar suas próprias histórias de um livro em suas mãos. Exploratórias daquilo que lhes apresenta. Construir mapas para a diferença? Talvez.

Várias dúvidas. Não estariam alguns profissionais coibindo o devir-criança dos seus pacientes (e o próprio)? São as pessoas consideradas 'normais' aquelas que escondem melhor o seu 'lado criança', e preferem brincar sozinhas e escondidas dos outros, com medo de represálias? Será que a Psicologia atual (leia-se, algumas tendências) mesmo acabando - ou tentando acabar - com o velho sistema de enclausuramento, que 'excluía' da visão das pessoas 'normais' os ditos loucos, não estaria ainda tentando uniformizar as pessoas num conceito tão subjetivo quanto o de 'normalidade'? Estaremos todos prontos para lidar com devir-crianças totais?
Sempre deixando claro que minha crítica não se faz ao Meio - ao estudo, e sim aos métodos utilizados. E que minhas dúvidas se fazem do lado 'de-fora'. Assistindo ao mesmo filme que o Deleuze, quem sabe.

Uma boa tirada. Ao pensar nesses temas, lembrei-me de um livro que li há algum tempo e que confesso, comprei pelo título. O livro chama-se "Como tornar-se um doente mental", e foi escrito pelo psiquiatra português José Luís Pio Abreu. A publicação é um achado. O autor, ao considerar a ineficácia de milhares de tratamentos e receitas - médicas ou de crendice popular, dá 'dicas'para os leitores de como contrair a maioria das psicopatologias, a partir dos critérios de diagnóstico do consenso americano do DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders,4th Edition - American Psychiatric Association). "Se ensinarmos as pessoas a tornarem-se doentes mentais autênticos, acabam-se os mal entendidos psiquiátricos", provoca Pio Abreu. "Ao admitir seus próprios limites (ou sintomas), você será apresentado ao mundo das pessoas comuns, que aceitam os desafios e paradoxos da vida. Convenhamos: é mais fácil tornar-se um doente mental do que manter-se são nos dias de hoje" - finaliza o argumento, na orelha do livro.

Um fim.



Luiz Paulo C. Teixeira

10 comentários:

Felipe Messias disse...

Quanto a sua patologia (citada no início, e ainda não incluída no DSM-IV), percebo-me também portador (e não acho que mais 2 anos de curso poderão me curar). A questão do devir criança é fantástica! O que seria de uma sociedade que não represassemos os menos "sistematizados"? Provavelmente muito mais dada ao fluxo, ao contato interdisciplinar, ao conhecimento e a mudanças (estruturais ou não). Mas será que sobreviveríamos como sujeitos ao devir criança em sociedade?

Kleber disse...

aí Felipe, me fala mais um pouco dessa sua questão. o que seria sobreviver como sujeito ao devir criança em sociedade?
ps: L. paulo, muito boa sua articulação. É bom atravessar a rua!

Marcel Maia disse...

Método, uniforme, padronização... com estes termos pretendem produzir um cidadão!
Mas digamos não!não! e não!

Acho melhor sermos crianças... ou melhor, devires-criança.

Talvez assim, poderemos ver nossos netos tocando fogo nos DSMs da vida...Haja milho pra assar nessa fogueira...

Juaum disse...

um achado!

Felipe Messias disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Felipe Messias disse...

Mais ou menos assim: Será que poderíamos desempenhar nossos diversos papéis sociais (estudantes, professores, filhos, etc.) se deixássemos que o devir criança operasse em nós?

J. Thiago disse...

Seria o devir-criança, então, um oba-oba do guri malino? O pensamento em mim não aponta pra esta direção, Felipe! A criança-substância que coexiste com nosso adulto-formal não é aquele infanto traquino que mantemos em nossas lembranças, mas a capacidade mesma que temos de não ser categóricos, imperativos e formais. Adultos. Seres! A diferença de/em nós...

J. Thiago disse...

Ah, sim! Bom texto, Luiz! Conciso e, ao mesmo tempo, aberto à discussão...

Bobo,feio e chato. disse...

Obrigado mesmo pelos elogios.

J. Thiago, foi isso justamente o que busquei. Até por isso não fechei nenhuma conclusão. Eu até poderia enriquecer mais o texto, mas perderia o limiar da discussão.

E professor, o outro lado da rua sempre me interessou. O problema são os carros.

Luiz Paulo

Elen disse...

"a medicina hoje em dia está tão avançada que já não existem mais pessoas completamente sãs"
não lembro onde li isso, deve ter sido no rodapé de alguma agenda feminina!!! mas cabe perfeitamente aqui!