8.18.2009

Comentário do Filme "A cor do Paraíso"

Fazer um comentário de um filme é uma coisa nova pra mim. Nas próximas linhas, direi o modo como o filme “A Cor do Paraíso” me afetou, além de, é claro, do modo como eu o percebi.

Esse filme nos faz refletir sobre diversas coisas, principalmente sobre o que estamos fazendo com aquilo que nós já temos. Muito me impressiona o modo como ele é rico para uma discussão sobre cognição. É um tanto complicado apontar protagonistas e antagonistas nesse filme, uma vez que o filme não segue um esquema onde o “mocinho” tem um objetivo “X” e tem o trajeto impedido pelo vilão “Y”. No filme, o mais próximo de uma relação dessas seria a do menino cego (Mohammad), ocupando o lugar de “protagonista” e do pai desse menino (Hashem), ocupando uma posição “quase antagônica”. Esse “quase” não foi utilizado nesse contexto por acaso, uma vez que o pai não faz um esforço consciente de ser um empecilho à felicidade do filho. Antes que eu queime etapas, tentarei fazer uma descrição um tanto cronológica (das partes que considero importantes) do filme.

O filme se inicia sem qualquer tipo de imagem visual (a não ser de alguns nomes de produtores, figurinistas e etc.), sendo a voz de um dos professores de uma escola de cegos e de alguns alunos as únicas fontes de informação sensorial. Na fala desse professor, os alunos são chamados para reaverem as fitas cassetes com músicas, comentários, vozes de parentes, etc. que eles mesmos trouxeram. Em seguida, a aula termina e as crianças saem para esperar que os pais delas venham buscá-las. Diversas pessoas vêm buscar as crianças e Mohammad fica sozinho num banco esperando que venham buscá-lo.

Enquanto esperava, o menino escutou um barulho inesperado em umas moitas próximas de onde ele estava. Ele passa então a tatear entre as folhas pela ave que fazia o barulho, ao mesmo tempo em que espantava um gato que estava nas redondezas. Em um esforço quase impensável para quem vê de fora, ele coloca o passarinho de volta no ninho, subindo em uma árvore relativamente difícil de subir, além de ter que tatear até encontrá-lo (algo que duvido que defensores fanáticos da natureza estivessem dispostos a fazer, apesar de enxergarem).

A partir daí, as relações sociais do menino passam a ocupar o papel central na estória. Logo depois dessa cena comovente, surge uma ainda mais comovente, onde o menino espera o pai por muitas horas. Com a chegada do pai, fica nítida a relação entre ambos, manifestada nas palavras do menino: “achei que você não viria mais me buscar”. Com o passar do tempo, fica claro que o pai tem um sentimento inconstante ou dúbio em relação ao filho. Ele expressa direta ou indiretamente que preferia que ele não tivesse nascido, tentando, por diversas vezes livrar-se dele, seja tentando colocar ele em tempo integral longe dele em uma escola de cegos ou em uma marcenaria com um tutor, seja deixá-lo para ser devorado por lobos selvagens nos arredores da carvoaria em que trabalhava (considerando-o mais uma tragédia na vida dele, dentre diversas outras que haviam acontecido e outras que viriam a acontecer).

Durante a experiência de relativo abandono de Mohammad na marcenaria, surge também a relação entre o pai do menino e a avó dele, a qual discorda da decisão dele de colocar o menino para aprender a moldar madeira com um marceneiro cego (numa tentativa do pai de o tornar independente). Num momento bastante triste, a idosa sai na chuva atrás da criança, sendo seguida pelo filho, o qual tenta a todo custo fazê-la voltar para casa. Depois desse dia, a vida do pai se torna ainda mais difícil, uma vez que esse adoecimento desencadeia diversas outras coisas.

Após um tempo, a mãe de Hashem acaba morrendo. A então “futura esposa” do pai do menino acaba por ter o casamento dela cancelado, por a família dela considerar o casamento amaldiçoado. Envolto por lágrimas e se sentindo bastante sozinho, arrependido e culpado, ele vai buscar o filho com o marceneiro cego. Não sabia ele que o pior ainda estava por vir, enquanto levava o filho para casa em cima de um cavalo. Quando atravessavam a ponte, a parte em que o menino e o cavalo estavam cedeu, fazendo-os cair. O pai então paraliza, pois, num mesmo instante dois sentimentos completamente opostos tomam conta dele. Ao mesmo tempo em que se livrava de um fardo, o pouco amor que tinha pelo filho o impulsionava a pular atrás dele. Ele então hesita, e por tempo demais. Pensando no que faria a respeito, perde segundos que jamais retornarão. Ele então pula, mas não vê mais os movimentos do filho na água ou em qualquer outro lugar (e nunca mais veria), sendo o barulho da água, a visão de pedras e galhos as únicas coisas que os sentidos dele (e os nossos) conseguíamos perceber (em um momento do filme em que era bastante difícil se distrair). Quando já haviam atingido o mar, ele acordou ao lado do corpo sem vida do filho. Numa situação completamente desesperadora, não tendo mais esposa, sem mãe, sendo considerado amaldiçoado e agora com o corpo do filho nos braços, era vítima, do acaso, do destino ou quem sabe de Deus ou do diabo (nessas horas o que importa é a existência de um culpado). Teria ele morrido porque ele hesitou? Porque não o amou, porque o abandonou? Teria ele assassinado o filho?

Então, em meio aos gritos desesperados do desafortunado pai, cujo maior pecado foi ter nascido, o corpo do menino enche-se de luz, mexe um dedo e a trilha sonora se encarrega de provocar um “efeito libertário”.

3 comentários:

J. Thiago disse...

Mohammed sempre quis ver Deus, embora o saboreasse através de matizes outras que não as do pai. As pedras no lago, os campos de trigo e centeio, os pássaros a falarem em prosa... O divino se revelava a ele ali, embora nem ele nem ninguém tomassem conta disto...

Aline disse...

Acho que o filme valoriza - pelo menos para mim - momentos simples, como por exemplo, a cena em que o menino lê em braile melhor do que os outros alunos considerados "normais",ou outra em que o menino corre junto com as irmãs no campo. Isso permitiu, de certa forma, um outro olhar que nos leva a fazer outra discussão sobre a simplicidade do filme, sem recair muito em uma discussão que busca os culpados, os coitados, os inocentes...e por aí vai.

Laís disse...

Concordo com Aline, muito mais do que querer psicologizar os personagens (o que alias não seria nada espantoso vindo de uma turma de psicologia), acho importante ressaltar a obra de arte que é o filme. Ele consegue mecher com nossas sensações a ponto de não sabermos diferenciar se estamos vendo, com os olhos da visão, ou sentindo, com o tato (que inclusive ainda não tenho certeza se era o meu ou o de Mohamed). Alias acredito que essas coisas são inseparáveis, (e acho desnecessário comentar que ai também estão o olfato, o paladar, e tantas outras sensações que não sabemos distinguir), é como se realmente tivessemos adentrado no filme e fizessemos parte da paisagem.