8.30.2009
O Escafandro e a Borboleta
8.24.2009
O que a criança diz:
Um desafio bem interessante. Desde que tomei conhecimento da proposta e da metodologia que seriam utilizadas pelo professor, me interessei e busquei participar da melhor forma possível. Até por ter uma formação acadêmica diversa, tive a impressão de que seria ainda mais enriquecedora - para mim e espero que para todos- a experiência de troca de informações e opiniões de duas áreas que combinam tanto. Embora alguns estudiosos por vezes esqueçam esta afinidade. Melhor ainda quando a linguagem do cinema faz a ponte entre os temas.
Uma salvaguarda. Tudo que escrevi até este ponto, coisas que fogem da minha motivação original de estar postando neste espaço, não foi por enrolação (juro). Foi apenas uma tentativa de deixar mais clara a minha posição inicial de leigo em termos mais específicos da Psicologia. Não farei juízos de valor nem críticas pouco abalizadas a algum tema - o que seria de uma inépcia bastante desnecessária da minha parte. Irei apenas deter-me a um dos aspectos mais interessantes do que pude absorver sobre algumas idéias de Deleuze.
O tema. No texto do professor Kléber Matos, baseado em "o que as crianças dizem" e pela discussão em sala, o conceito do Devir-criança, como "'Uma' criança que coexiste conosco e está numa zona de vizinhança ou num devir" foi o que mais me atraiu. Principalmente pela afirmada tendência inventiva presente enquanto virtualidade na criança e no adulto. Pude compreender a força das 'brincadeiras infantis'. Da brincadeira que não dá respostas prontas, da criança que não sabe ler mas continua a inventar suas próprias histórias de um livro em suas mãos. Exploratórias daquilo que lhes apresenta. Construir mapas para a diferença? Talvez.
Várias dúvidas. Não estariam alguns profissionais coibindo o devir-criança dos seus pacientes (e o próprio)? São as pessoas consideradas 'normais' aquelas que escondem melhor o seu 'lado criança', e preferem brincar sozinhas e escondidas dos outros, com medo de represálias? Será que a Psicologia atual (leia-se, algumas tendências) mesmo acabando - ou tentando acabar - com o velho sistema de enclausuramento, que 'excluía' da visão das pessoas 'normais' os ditos loucos, não estaria ainda tentando uniformizar as pessoas num conceito tão subjetivo quanto o de 'normalidade'? Estaremos todos prontos para lidar com devir-crianças totais?
Sempre deixando claro que minha crítica não se faz ao Meio - ao estudo, e sim aos métodos utilizados. E que minhas dúvidas se fazem do lado 'de-fora'. Assistindo ao mesmo filme que o Deleuze, quem sabe.
Uma boa tirada. Ao pensar nesses temas, lembrei-me de um livro que li há algum tempo e que confesso, comprei pelo título. O livro chama-se "Como tornar-se um doente mental", e foi escrito pelo psiquiatra português José Luís Pio Abreu. A publicação é um achado. O autor, ao considerar a ineficácia de milhares de tratamentos e receitas - médicas ou de crendice popular, dá 'dicas'para os leitores de como contrair a maioria das psicopatologias, a partir dos critérios de diagnóstico do consenso americano do DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders,4th Edition - American Psychiatric Association). "Se ensinarmos as pessoas a tornarem-se doentes mentais autênticos, acabam-se os mal entendidos psiquiátricos", provoca Pio Abreu. "Ao admitir seus próprios limites (ou sintomas), você será apresentado ao mundo das pessoas comuns, que aceitam os desafios e paradoxos da vida. Convenhamos: é mais fácil tornar-se um doente mental do que manter-se são nos dias de hoje" - finaliza o argumento, na orelha do livro.
Um fim.
Luiz Paulo C. Teixeira
8.22.2009
Filmow / Skoob
8.20.2009
Cena 1.
O que quer Deleuze ao pensar “o que as crianças dizem”? Essa é uma questão que me vem; o que ele quer ao dizer isso? O que queremos nós ao vir aqui, hoje, quinta-feira, dia 20 de agosto de 2009? Queremos saber o que Deleuze quis dizer ao escrever sobre o que as crianças dizem? Talvez. Essa é a resposta mais verdadeira possível. Pois não se pode inferir sentido no outro por dedução. Assim a dúvida se instala como verdade. A dúvida se instala como uma política de convivência. A dúvida se instala como uma crise.
Assim sendo, por mim, tudo bem. Por mim, agora. Daqui a pouco pode ser muito pesarosa essa dúvida. Pode querer dizer de mim, aquilo que já não me agrada. Que já me retira o oxigênio, pois a dúvida quando instala verdade, tem efeito de gozo efêmero. A dúvida é um éter. Um perfume que seduz, mas que some no ar, como todo sólido.
Digo sólido porque nesse texto fiz da dúvida um sólido. Há também uma referência ao marxismo nessa frase. É uma ilustração e toda ilustração representa aquilo que se quer na luz. Que se quer na luz, sempre. Lustres, ilustres e lustrados querem luz acesa para brilhar. Mas lustres, ilustres e lustrados sabem como se dá a luz?
Cena 2.
Apaguem, por favor, apaguem o desenho que acabo de fazer com garranchos mal elaborados e pretensiosos, das suas cabeças. Retirem-no da sua memória e vamos começar de novo. Isso. Vamos começar de novo e dizer algo que soe melhor aos nossos ouvidos; melhor, que soe melhor aos meus ouvidos, pois aqui se trata de uma audição de imagem. Foi esse o trato. Esse acordo me permite a pretensão de dizer o que bem ou mal entendo e que vocês, aí do outro lado, entendam do mesmo modo, bem ou mal também. É um exercício de retórica. De uma retórica mediana, que conversa, ou melhor, busca conversar com a imagem de quem escreve. Uma retórica que tem a presunção de se conectar ao outro, sem que esse outro saiba. Uma retórica que faz o outro pré-existir. E pré-existir é uma forma estranha de ser, que não quer que nada seja estranho quando, efetivamente, vier a acreditar que está sendo. Talvez seja bom repetir essa formula. Quem sabe o Lázaro está por aqui e quer anotá-la no seu caderninho que celebra tiradas de professores em sala de aula. Devagar então: Pré-existir é uma forma estranha de ser, que não quer que nada seja estranho, quando, efetivamente, esse nada vier a acreditar que está sendo. Fui reescrever e acabei escrevendo diferente. Nomeei o nada na segunda frase. O que isso pode querer dizer? Não sei, mas que a sentença ficou um tanto quanto existencialista; ficou. O ser e o nada; Sartre... e estamos aqui ainda entre quatro paredes ouvindo um texto que em duas cenas estabeleceu o eu que vos fala como eixo de interpretação. E Deleuze? E as crianças? Bom, se está difícil entrar no texto de Deleuze, quem sabe se fosse agora percorrer um texto de criança? Uma luz! Opa, luz de novo não. Há uma criança que muito me diz, só que estranhamente já a conheci adulta e eu também já andava me distanciando dessa coisa juvenil, melhor, infantil. Tinha lá uns dezessete anos.
O cara, melhor, a criança é o tal do cachorro louco que também atende pelo nome de Paulo. (…). Paulo Leminski. Engraçado como esse cara, mesmo depois de morto consegue ainda ser criança sem sequer deixar de ser um cachorro louco. Bom, vamos a outro enquadramento. Apaguem as luzem. Baixem a cortina. Opa, Não se trata de teatro. Aqui é cinema. Cinema é luz e movimento. Diz Deleuze que também que cinema é luz e tempo. Bom, aqui, até agora é luz na tela e movimento também na tela. Então é só mudar de cena e ver para onde vão os olhos e as sensações.
Cena 3
quando chove,
eu chovo,
faz sol,
eu faço,
de noite,
anoiteço,
tem deus,
eu rezo,
não tem,
esqueço,
chove de novo,
de novo, chovo,
assobio no vento,
daqui me vejo,
lá vou eu,
gesto no movimento
Cena 4
A esse poema, Paulo Leminski deu o nome de Profissão Deus. Mas o que ele quis dizer nesse trabalho? Teve ele trabalho, suor para margear a Profissão Deus? Que tipo de trabalho é esse? Que tipo de gente é essa, que caberia no escrito desse espaço chamado Profissão Deus? O que é isso? De onde vêm essas letras que se fazem palavras e sentidos? Linguagem, tudo bem, linguagem. Mas alguém escreve, diz, articula os signos alfabéticos que compõem outros signos que demandam sonoridade, posto também se darem a atmosfera de outros modos. Isso permite até que os an-alfabéticos se façam alfabetizados. Mágico! Bom, mas o que esse cara que diz, diz do que ele diz.
Para essa criança Leminski o dizer é um dizer. Ele não vai, além disso, nesse poema. Ele não consegue ir além daquilo que já vem. Ele acompanha o que já vem como se não houvesse um barato mais interessante, um barato mais caro, que acompanhar o que está vindo. Aquilo que está na condição de vir. Assim ele não tem trabalho, pois trabalho para uma criança rima com disciplina, melhor com obrigação. Crianças não gostam de obrigação. São vagabundas por natureza. É da constituição de uma criança ser vagabunda, não querer ter trabalho.
Eita que essa cena já passou muito do que era pra ter sido. Não era para tanto. Era só pra dizer o nome do poema de Leminski. Parece que ela, embriagada dele, foi ali, melhor por ali, a dizer dele o que ele nem disse, mas escreveu, pois uma linha já lhe vinha. Em Leminski o mundo não tem depois, pois nele, viver é dar seguimento.
Cena 5
Volto ao Deleuze. Assim como fiz com Leminski, farei com Deleuze. Uma lógica. Um método. Para o Deus de Leminski, seria um pecado metodicar? Não. O pecado seria não viver. Não viver é ter trabalho. Assim métodos que não dão trabalho, que não imprimem uma obrigação, não têm como ser pecado. Talvez seja melhor chamar esse método de modo. Um modo de encaminhar, de dar seguimento.
Em O que as crianças dizem, Deleuze escreve e faz uma apologia do MEIO. Palavra chave desse texto. Palavra-deus dessas páginas as quais encaminho aqui. Não é uma palavra-síntese. Não é uma palavra para fechar. Apesar de que, nesses dias que fazemos, chave serve muito mais para fechar que para abrir. Bom, mas essa chave é distinta, melhor uma chave esquisita. Uma esquizochave. Ela perde a forma depois que cumpre sua função. Não é bem isso. Ela não consegue abrir duas vezes a mesma porta, pois ela leva consigo aquilo que lhe faz sentido pelo caminho. Ela leva consigo a porta que abre. Ela é uma chave que encaminha e com isso faz caminho. As serventias do seu modo de fazer e daquilo que é feito, é do que preciso dizer, para assim encaminhar aqui O que as crianças dizem.
Cena 6
Deleuze alerta para os riscos de ver depois. Não somos como os Thundercats. Não temos a visão além do alcance. Assim, sempre vemos depois. Um pouquinho que seja. Mas quando vemos, vemos sempre depois. O povo da Gestalt já fazia valsa com essa nota na primeira metade do século passado. Ver depois tem seus comprometimentos, mas ninguém quer ser cego. Por outro lado, querer fazer daquilo que é visto depois, algo que sirva para sempre, não seria arriscado? Melhor, seria possível? Como seria possível? Não consigo pensar em outra possibilidade, que não essa. O único modo (método) que permite que aquilo que se vê, se constitua como plano de verificação para o sempre ou para o depois, é estabelecer cegueiras conseqüentes àquele campo do que foi visto. Um acordo entre alfabetizados. Um trabalho que continua sem dar seguimento. Se acordo não desse trabalho, não existiriam os advogados. Acordos dão trabalho. Requerem ordens a serem seguidas e representam essa ordem pela força dos braços e da venda nos olhos. Lembrem da imagem da senhora justiça? Essa é a tônica do acordo iluminista/liberal; do ideário do saber moderno: ser implacável e justo (exato) em qualquer tempo.
Criança não consegue isso. Muitas vezes quero que Tito, meu filho de onze anos, o faça. Dupla denúncia. Renúncia ao que-vem-criança pra si e para o outro. A humanidade não se abala com esse tipo de questão, mas é esse tipo de questão que abala o senso de humanidade das criaturas que se querem humanas. Por outro lado, não haveria psicólogos. Se digo isso, deve haver um que-vem-psicólogo, pelo menos. Daí, quando esse que-vem-psicólogo se realiza, de algum modo ele é força nesse encontro nosso de cada dia, nas disciplinas e matérias que habitamos no curso de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe. Daí dá pra arriscar e dizer que ele não é justo (exato) e mesmo muitas vezes implacável, ele é múltiplo ou não estaria falando disso agora. Pode haver um que-vem-criança num que-vem-psicólogo. Mas mesmo assim, segue o curso?
Cena 7
O que é um curso? O que uma criança diria de um curso? Um rio pode ser um modo de curso.
De onde vem?
Não sei.
Para onde vai?
Pro mar?...
Atravessar?
Talvez!
Mergulhar?
Tchibum!
As respostas de uma criança-deleuze não precisam (objetivam) aquilo que carregam consigo. São exploratórias daquilo que lhes se apresenta. E aquilo que lhes se apresenta vão ser portas para os seus modos esquizochave de ser. É assim que vão percorrendo o mundo, estando sempre um passo adiante, pelo menos. Não por conhecerem o mundo, mas pelo que o desconhecimento do mundo e de si lhes imprime enquanto vontade e força
Em alguma página de seu texto, aqui se fazendo imagem, diz Deleuze já não como criança: “No limite, o imaginário é uma imagem virtual que se cola ao objeto real, e inversamente, para constituir um cristal de inconsciente”.
Isso quer dizer o que diz. Uma critica contundente a um modo de aprisionar o que conseguimos ser, ao passado. É como se nessa sentença, ele percebesse uma política de produção da subjetividade em um mundo sem futuro. Por sem futuro, entendam o que bem queiram. Penso sem futuro aqui, como condição temporal. É o futuro que nos permite ver aquilo que não mais pode mudar. O futuro quando presente permite ver o passado. Quando não temos mais o futuro, o presente não vai jamais além de uma forma de experimentar o passado. Penso que é isso que o Deleuze está dizendo e o que as crianças não conseguem aceitar. Por isso dizem o diferente e ao dizer o diferente, constroem mapas para a diferença. Estilos para a subjetividade. Estéticas para a existência. Uma beleza!
Cena 8
Há referências no texto escrito por Deleuze que não sei para onde carregar. Dúvida se instala e que precisa sumir. Sumir por um encontro com algum conteúdo informativo ou por uma vontade minha, uma força-criança que diz de outros que se encaminham em mim, e que não podem ficar, ou melhor, que precisam sumir, por que podem. Freud, Delingny, Lewin, Klein, Churchill, Hitler, Littler Richard, Littler Hans, Sra. K., Proust, Guattari, Polack e Sivadon, Littler Arpad, Vermmer, Carmem Perrin e Dioniso são sujeitos próprios em nossa gramática e estão nas páginas do Deleuze. São nessas páginas próprios sujeitos ou as crianças, essas diabólicas criaturas seriam a possibilidade desse próprio subjetivo e desujeitado?
É possível fazer sentido nesse texto sem conhecer essas referências substantivas há pouco citadas? Ou elas, como representações, são a verdade por atingir para compreender “O que as crianças dizem” em Deleuze?
Que psicologia é possível dizer disso que busco dizer? Quando o dizer é busca, ele, o tempo todo, deixa no ar rastros de sonoridade. É preciso se escutar lendo para não ser o leitor que quase todo texto demanda. É preciso se escutar lendo para não ser um decodificador, um especialista em escuta. Ninguém escuta melhor uma criança que ela mesma, mesmo quando ainda não alfabetizada. Por mais estranho que seja essa atividade de se escutar lendo é ela o que funda a escuta que reverbera. Talvez seja ela uma esquizochave para uma conversa sobre essa questão do imaginário. Algo sobre a citação do Deleuze. Uma outra cena.
Cena 9
O olho trabalha por fixação. O ouvido por ressonância. As mães suspeitam dos filhos quando não há barulho na casa. As mães sabem ser criança. Sabem que não é preciso ver, mas é necessário ouvir seus filhos quando estão em casa.
O que as crianças dizem? Mil coisas. Outra coisa. Sei que as crianças dizem por saberem escutar. As crianças escutam e inventam. São sons antes de serem imagens. Fazem isso muito rapidamente, pois dominam o meio. Melhor; para elas parece que o meio é a melhor forma de serem caminhos e fazerem mapas com suas esquizochaves.
E quem quiser que conte outra...
Deleuze, G. O que as crianças dizem. Crítica e clínica. Ed. 34
8.18.2009
Comentário do Filme "A cor do Paraíso"
Fazer um comentário de um filme é uma coisa nova pra mim. Nas próximas linhas, direi o modo como o filme “A Cor do Paraíso” me afetou, além de, é claro, do modo como eu o percebi.
Esse filme nos faz refletir sobre diversas coisas, principalmente sobre o que estamos fazendo com aquilo que nós já temos. Muito me impressiona o modo como ele é rico para uma discussão sobre cognição. É um tanto complicado apontar protagonistas e antagonistas nesse filme, uma vez que o filme não segue um esquema onde o “mocinho” tem um objetivo “X” e tem o trajeto impedido pelo vilão “Y”. No filme, o mais próximo de uma relação dessas seria a do menino cego (Mohammad), ocupando o lugar de “protagonista” e do pai desse menino (Hashem), ocupando uma posição “quase antagônica”. Esse “quase” não foi utilizado nesse contexto por acaso, uma vez que o pai não faz um esforço consciente de ser um empecilho à felicidade do filho. Antes que eu queime etapas, tentarei fazer uma descrição um tanto cronológica (das partes que considero importantes) do filme.
O filme se inicia sem qualquer tipo de imagem visual (a não ser de alguns nomes de produtores, figurinistas e etc.), sendo a voz de um dos professores de uma escola de cegos e de alguns alunos as únicas fontes de informação sensorial. Na fala desse professor, os alunos são chamados para reaverem as fitas cassetes com músicas, comentários, vozes de parentes, etc. que eles mesmos trouxeram. Em seguida, a aula termina e as crianças saem para esperar que os pais delas venham buscá-las. Diversas pessoas vêm buscar as crianças e Mohammad fica sozinho num banco esperando que venham buscá-lo.
Enquanto esperava, o menino escutou um barulho inesperado em umas moitas próximas de onde ele estava. Ele passa então a tatear entre as folhas pela ave que fazia o barulho, ao mesmo tempo em que espantava um gato que estava nas redondezas. Em um esforço quase impensável para quem vê de fora, ele coloca o passarinho de volta no ninho, subindo em uma árvore relativamente difícil de subir, além de ter que tatear até encontrá-lo (algo que duvido que defensores fanáticos da natureza estivessem dispostos a fazer, apesar de enxergarem).
A partir daí, as relações sociais do menino passam a ocupar o papel central na estória. Logo depois dessa cena comovente, surge uma ainda mais comovente, onde o menino espera o pai por muitas horas. Com a chegada do pai, fica nítida a relação entre ambos, manifestada nas palavras do menino: “achei que você não viria mais me buscar”. Com o passar do tempo, fica claro que o pai tem um sentimento inconstante ou dúbio em relação ao filho. Ele expressa direta ou indiretamente que preferia que ele não tivesse nascido, tentando, por diversas vezes livrar-se dele, seja tentando colocar ele em tempo integral longe dele em uma escola de cegos ou em uma marcenaria com um tutor, seja deixá-lo para ser devorado por lobos selvagens nos arredores da carvoaria em que trabalhava (considerando-o mais uma tragédia na vida dele, dentre diversas outras que haviam acontecido e outras que viriam a acontecer).
Durante a experiência de relativo abandono de Mohammad na marcenaria, surge também a relação entre o pai do menino e a avó dele, a qual discorda da decisão dele de colocar o menino para aprender a moldar madeira com um marceneiro cego (numa tentativa do pai de o tornar independente). Num momento bastante triste, a idosa sai na chuva atrás da criança, sendo seguida pelo filho, o qual tenta a todo custo fazê-la voltar para casa. Depois desse dia, a vida do pai se torna ainda mais difícil, uma vez que esse adoecimento desencadeia diversas outras coisas.
Após um tempo, a mãe de Hashem acaba morrendo. A então “futura esposa” do pai do menino acaba por ter o casamento dela cancelado, por a família dela considerar o casamento amaldiçoado. Envolto por lágrimas e se sentindo bastante sozinho, arrependido e culpado, ele vai buscar o filho com o marceneiro cego. Não sabia ele que o pior ainda estava por vir, enquanto levava o filho para casa em cima de um cavalo. Quando atravessavam a ponte, a parte em que o menino e o cavalo estavam cedeu, fazendo-os cair. O pai então paraliza, pois, num mesmo instante dois sentimentos completamente opostos tomam conta dele. Ao mesmo tempo em que se livrava de um fardo, o pouco amor que tinha pelo filho o impulsionava a pular atrás dele. Ele então hesita, e por tempo demais. Pensando no que faria a respeito, perde segundos que jamais retornarão. Ele então pula, mas não vê mais os movimentos do filho na água ou em qualquer outro lugar (e nunca mais veria), sendo o barulho da água, a visão de pedras e galhos as únicas coisas que os sentidos dele (e os nossos) conseguíamos perceber (em um momento do filme em que era bastante difícil se distrair). Quando já haviam atingido o mar, ele acordou ao lado do corpo sem vida do filho. Numa situação completamente desesperadora, não tendo mais esposa, sem mãe, sendo considerado amaldiçoado e agora com o corpo do filho nos braços, era vítima, do acaso, do destino ou quem sabe de Deus ou do diabo (nessas horas o que importa é a existência de um culpado). Teria ele morrido porque ele hesitou? Porque não o amou, porque o abandonou? Teria ele assassinado o filho?
Então, em meio aos gritos desesperados do desafortunado pai, cujo maior pecado foi ter nascido, o corpo do menino enche-se de luz, mexe um dedo e a trilha sonora se encarrega de provocar um “efeito libertário”.
Discussão sobre o filme “A cor do Paraíso”
Quanto à primeira parte, a conversa se dirigiu, principalmente, para o personagem do pai. Nesse sentido, a discussão seguiu três caminhos diferenciados. Alguns negativizaram a atitude do pai, o colocando no papel do egoísta, do vilão, daquele que não gostava do filho e só pensava em sua felicidade. Apontando inclusive, a possibilidade do pai escolher um outro caminho que não a entrega do filho ao carpinteiro, mostrando que a felicidade é possível apesar da deficiência do menino. Outros pensaram no movimento contrário ressaltando que o pai gostava sim do filho, no entanto, por conta de sua história de vida - morte da mulher e deficiência do filho, ele sentia a necessidade de ser feliz sendo, portanto, egoísta nesse aspecto, porém não dando uma conotação negativa. Nesse segundo movimento, dissolveu-se a atitude do pai, substituindo-a pelas motivações as quais o levaram a abandonar o menino. Outra pessoa se desvencilhou dessa discussão, preferindo colocá-la não no discurso de qual personagem deve ser vitimizado, mas apontou para uma espécie de cegueira observada não somente no menino, mas presente no pai também. Pelo que compreendi, segundo a idéia levantada, o pai não consegue ver como o filho consegue aproveitar a vida, independente de seu problema.
8.08.2009
Curso de Extensão
Contato: Valéria Oliveira
valeriamsoliveira@hotmail.com
9938-2809/2105-6871
PROGRAMAÇÃO1a. sessão: 11/08- Eduardo Pina "Em nome de Deus"
2a. sessão: 18/08- Dilton Maynard "Adeus, Lênin"
3a. sessão: 25/08- Fernando Sá "Árido Movie"
4a. sessão: 01/09- Carlos F. Liberato "Quilombo"
5a. sessão: 08/09- Valeria Oliveira "Espelho d’água"
6a. sessão: 15/09- Fábio Maza "O Sétimo Selo"
7a. sessão: 22/09- Janaína Melo "Quanto vale ou é por quilo"
ORGANIZAÇÃOGET - Grupo de Estudos do Tempo Presente (DHI/UFS)
8.03.2009
Pensamento, Cinema e Contemporaneidade
- Propiciar experiências de leituras compartilhadas do cinema contemporâneo;
- Pensar a produção de imagens em Gilles Deleuze e Paul Virilio;
- Dimensionar possibilidades de imaginação através do método intuitivo em Bergson;
- Produzir textos sobre as experiências partilhadas em sala, articulando com os filmes e bibliografia de referência;
- Investir em novas possibilidades de modos de existência para a experiência contemporânea.
- O que as crianças dizem. Gilles Deleuze;
- Vós que entrais no inferno das imagens, perdei toda esperança. Paul Virilio;
- Bergson: intuição e método intuitivo. Jonas Coelho.
- FOUCAULT, Michel; Ditos e Escritos II. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
- DELEUZE, Gilles; Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.
- ____________; Crítica e Clínica. Rio de Janeiro: Ed.34, 1997.
- VASCONCELLOS, J. Deleuze e o Cinema. Rio de Janeiro; Ciência Moderna; 2006.
- VIRILIO, Paul; Guerra e Cinema. São Paulo: Boitempo, 2005.
- ____________; A máquina de visão. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002